quinta-feira, 21 de junho de 2012

Viola erudita

Compartilho o pequeno texto que escrevi sobre a influência da música erudita no trabalho dos violeiros no Brasil. Esse texto escrevi a pedido de Cristiano Bastos, repórter da revista Rolling Stone Brasil, para a matéria sobre o  projeto "Êta Nóis: quando a viola bota as coisas no lugar", (CCBB - São Paulo) - que propunha dialogar a viola caipira e com viola clássica (de arco), e no qual participaram violeiros como Ivan Vilela, Miltinho Edilberto, Zé Helder e atrações como Tetê Espíndola, Ná Ozzetti, Dú Gomide e Luli & Lucina e a violista Paula Pi.

Viola caipira e a música erudita

Fábio Miranda
07 de Junho de 2012

Há tempos que certas fronteiras entre estilos musicais estão ruindo. Numa época em que a mistura de estilos e fusão de gêneros musicais estão em voga, a viola caipira no Brasil encontra um terreno fértil e aberto para essa investida. Como violeiro e admirador do trabalho dos mestres e colegas desse instrumento, percebo com feliz ansiedade que ainda vou ouvir sons que nunca foram feitos. Efeitos, combinações, arranjos e texturas que ainda estão por vir: esperam para serem descobertos pelas futuras gerações de violeiros.

A viola, que é tocada no Brasil desde a época do descobrimento, adormeceu durante um período pelo interior se desenvolvendo silenciosamente nas áreas rurais, e desde então vem sendo gradualmente redescoberta. Desde Cornélio Pires – produtor musical brasileiro que financiou a primeira gravação em LP de duplas caipiras do interior de São Paulo - a viola instiga músicos e o público em geral das grandes cidades. Vem ganhando status de instrumento de grande potencialidade e guarda o futuro da música brasileira em seu bojo. Isso porque se encontra entre uma saudável polaridade: entre a tradição e a inovação, o canônico e o inovador - entre a música “não escrita” e a “ainda não escrita”.

Desde Cornélio Pires a história “oficial” da viola começou a ser “escrita” pela produção fonográfica. O boom começou com Tião Carreiro e Bambico que transformaram a viola numa espécie de guitarra elétrica brasileira (no sentido da performance). Depois veio o mineiro Renato Andrade que levou a viola ao status de instrumento concertista com sua “volta ao mundo” tocando temas consagrados da música erudita com o instrumento. Também Geraldo Ribeiro que gravou em 1971 as transcrições de Theodoro Nogueira de peças de Bach na viola brasileira. A partir daí emergiram violeiros da nova geração flertando com outros estilos: Cacai Nunes com o choro, João Paulo Amaral com o jazz, Fernando Deghi com a música ibérica, Miltinho Edilberto com o forró, Ricardo Vignini com o rock, etc.

Dentro desse caldeirão, a música erudita – de tradição europeia – serve também de inspiração para o incrível mundo novo da viola. E logicamente o caminho inverso também – na história da música erudita foram vários momentos em que compositores buscaram na produção folclórica base e inspiração para seu trabalho. Na Europa, o compositor húngaro Béla Bartók, por exemplo, que viajou pelo interior de seu país gravando em um cilindro fonográfico impressões sonoras do povo rural. Ou no Brasil mesmo, com o próprio Villa-Lobos que bebeu do choro e das imagens rurais brasileiras. A profundidade dessa imersão ainda é controversa, mas o fato é que uma das melodias mais queridas dos violeiros é o tema do Trenzinho do Caipira - último movimento da 2a Bachiana Brasileira do maestro - tocada pelo Brasil afora por violeiros de vários estilos e idades. Mais de meio século depois o trabalho de pesquisa continuou com o violeiro Roberto Corrêa que ao percorrer aprendendo, registrando e mapeando o entorno de Brasília oficializou mais uma modalidade do ofício de ser violeiro: o de pesquisador.

A viola já se inspira há tempos com a linguagem da música erudita, orquestral. Uma forte ligação com o mundo erudito é a popularidade das chamadas “orquestras de viola” no Brasil. Esses grupos são popularmente chamados assim, pois em geral trabalham com naipes de violas - ou seja, violas executando linhas diferentes e assim compondo um arranjo. Destacam-se nessa área Rui Torneze com a “Orquestra Paulistana de Viola Caipira” e Ivan Vilela com a “Orquestra Filarmônica de Violas”. As formações menores – de câmara – conjugadas ou não com outros instrumentos também tornaram-se comum em todo o país desde a consagração desse formato com Heraldo do Monte no “Quarteto Novo”: grupo “Capela de Cordas” (David Godoi), “Banda Violeira” (Marcos Mesquita), “Trio Carapiá” (João Paulo Amaral), “Orquestra a Base de Cordas de Curitiba” (fundado pelo maestro Radamés Gnatali), “Viola Arranjada” entre outros. Até a curiosa viola-de-cocho pantaneira - tipo de viola feita de madeira escavada – já foi instrumento solista da orquestra de Câmara e da Sinfônica do Estado do Mato Grosso. Um destaque é também o flerte com a modalidade erudita chamada “música antiga” – espécie de “música folclórica” do mundo erudito, pois trabalha com instrumentos antigos da tradição europeia. Nesse contexto se destaca o trabalho do grupo “Anima” e o “Duo Viola & Cravo” com o violeiro Ricardo Matsuda. Recentemente o violeiro Chico Lobo lançou um trabalho intitulado “O Tenor e o Violeiro” em que acompanha em sua viola a voz de bel canto de um cantor erudito. Enfim, existe uma longa estrada diante da viola caipira e com certeza a música erudita é um ponto de referência e inspiração para muitos que trilham esse caminho.

2 comentários:

  1. BIBLIOGRAFIA:

    - CORRÊA, Roberto. A arte de pontear viola. Edição do Autor, 2000. (Reeditado pela Viola Corrêa em 2002)
    - FERRETE,J.L. Capitão Furtado: viola caipira ou sertaneja? Rio de Janeiro: Funarte, 1985.
    - NEPOMUCENO, Rosa. Música caipira: Da roça ao rodeio. São Paulo: Editora 34, 1999.
    - ROSS, Alex. O resto é ruído: escutando o século XX. São Paulo, Companhia das Letras, 2009.

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